Mas se
durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os
pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol
voltasse a acalmar a natureza. Assim, jogando a lançadeira de um lado para o
outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça
passava os seus dias.
Nada lhe
faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis
que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a
lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de
escuridão, dormia tranqüila. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que
queria fazer.
Mas
tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela
primeira vez pensou como seria bom ter um marido ao seu lado.
Não
esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida,
começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos
poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo
aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último
fio da ponta dos sapatos, quando bateram à porta.
Nem
precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi
entrando na sua vida.
Aquela
noite, deitada contra o ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria
para aumentar ainda mais a sua felicidade. E feliz foi, durante algum tempo.
Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque, descoberto o
poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia
lhe dar.
- Uma
casa melhor é necessária, -disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram
dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para
os batentes, e pressa para a casa acontecer.
Mas
pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente. – Para que ter casa, se podemos
ter palácio? – perguntou. Sem querer resposta, imediatamente ordenou que fosse
de pedra com arremates em prata.
Dias e
dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e
escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para
chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia.
Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo
da lançadeira.
Afinal o
palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu
tear o mais alto quarto da mais alta torre.
- É para
que ninguém saiba do tapete, -- disse. E antes de trancar a porta à chave,
advertiu:
- Faltam
as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!
Sem
descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os
cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era
tudo o que queria fazer.
E
tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o
palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou como seria bom
estar sozinha de novo.
Só
esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas
exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre,
sentou-se ao tear.
Desta vez
não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e,
jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer o seu tecido.
Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois desteceu
os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente se viu
na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.
A noite
acabava quando o marido, estranhando a cama dura, acordou e, espantado, olhou
em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos
sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada
subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.
Então,
como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi
passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na
linha do horizonte.
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