Mônica
é uma pessoa tão extraordinária que consegue
simultaneamente: ser boa mãe de família, ser chiquíssima,
ser dirigente da "Liga Internacional das Mulheres Inúteis",
ajudar o marido nos negócios, fazer ginástica
todas as manhãs, ser pontual, ter imensos amigos, dar
muitos jantares, ir a muitos jantares, não fumar, não
envelhecer, gostar de toda gente, toda gente gostar dela, colecionar
colheres do século XVII, jogar golfe, deitar-se tarde,
levantar-se cedo, comer iogurte, fazer ioga, gostar de pintura
abstrata, ser sócia de todas as sociedades musicais,
estar sempre divertida, ser um belo exemplo de virtudes, ter
muito sucesso e ser muito séria.
Tenho
conhecido na vida muitas pessoas parecidas com a Mônica.
Mas são só a sua caricatura. Esquecem-se sempre
da ioga ou da pintura abstrata.
Por
trás de tudo isto há um trabalho severo e sem
tréguas e uma disciplina rigorosa e contente. Pode-se
dizer que Mônica trabalha de sol a sol.
De
fato, para conquistar todo o sucesso e todos os gloriosos bens
que possui, Mônica teve de renunciar a três coisas:
à poesia, ao amor e à santidade.
(Sonia
de Mello Breyner Andersen)
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Texto 5 - A Moreninha
D.
Quinquina (como a chamam suas amigas) conversa sofrível
e sentimentalmente: é meiga, terna, pudibunda, e mostra
ser muito modesta. Seu moral é belo e lânguido
como seu rosto; um apurado observador, por mais que contra ela
se dispusesse, não passaria de classificá-la entre
as sonsas. D. Clementina pertencia, decididamente, a outro gênero:
o que ela é lhe estão dizendo dois olhos vivos
e perspicazes e um sorriso que lhe está tão assíduo
nos lábios como o copo de vinho nos do alemão.
D. Clementina é um epigrama interminável; não
poupa a melhor de suas camaradas: sua vivacidade e espírito
se empregam em descobrir e patentear nas outras as melhores
brechas, para abatê-las na opinião dos homens com
quem pratica.
(Joaquim
Manuel de Macedo)
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Texto 6 - Manuel Pescada
Manuel
Pedro da Silva, mais conhecido por Manuel Pescada, era um português
de uns cinqüenta anos, forte, vermelho e trabalhador. Diziam-no
atilado para o comércio e amigo do Brasil. Gostava da
sua leitura nas horas de descanso, assinava respeitosamente
os jornais sérios da província e recebia alguns
de Lisboa. Em pequeno, meteram-lhe na cabeça vário
trechos de Camões e não lhe esconderam de todo
o nome de outro poetas. Prezava com fanatismo o marquês
de Pombal, de quem sabia muitas anedotas, e tinha uma assinatura
no Gabinete Português, a qual lhe aproveitava menos a
ele que a filha, que era perdida por romances.
(Aluísio
de Azevedo, O Mulato)
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Texto 7 - Calisto Elói
Calisto
Elói, naquele tempo, orçava por quarenta e quatro
anos. Não era desajeitado de sua pessoa. Tinha poucas
carnes e compleição, como dizem, afidalgada. A
sensível e dissimétrica saliência do abdômen
devia-se ao uso destemperado da carne de porcos e outros alimentos
intumescentes. Pés e mãos justificavam a raça
qua as gerações vieram adelgaçando de carnes.
Tinha o nariz algum tanto estragado das invasões do rapé
e torceduras do lenço de algodão vermelho. A dilatação
das ventas e o escarlate das cartilagens não eram assim
mesmo coisa de repulsão.
(Camilo
Castelo Branco, A queda dum anjo)
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Texto 8 - O Dias
O
Dias, que completava o pessoal da casa de Manuel Pescada, era
um tipo fechado como um ovo, um ovo choco que mal denunciava
na casca a podridão interior. Todavia, nas cores biliosas
do rosto, do desprezo do próprio corpo, na taciturnidade
paciente aquela exagerada economia, adivinhava-se-lhe uma idéia
fixa, um alvo para o qual caminhava. Não desdenhava quaisquer
meios para chegar mais depressa aos fins; aceitava, sem examinar,
qualquer caminho, desde que lhe parecesse mais curto; tudo servia,
tudo era bom, contanto que o levasse mais rapidamente ao ponto
desejado: enriquecer.
(Aluísio
de Azevedo, O Mulato)
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Texto 9 - Descrição de grupos de personagens
As
chamadas baianas não usavam vestidos; traziam somente
umas poucas saias presas à cintura, e que chegavam pouco
abaixo do meio da perna, todas elas ornadas de magníficas
rendas; da cintura para cima traziam uma finíssima camisa,
cuja gola e manga eram também ornadas de renda; ao pescoço
punham um cordão de ouro, um colar de corais, os mais
pobres eram de miçangas; ornavam a cabeça com
uma espécie e turbante a que davam o nome de trunfas,
formado por um grande laço branco muito teso e engomado;
calçavam uma chinelas de salto alto e tão pequenas
que apenas continham os dedos dos pés, ficando de fora
todo o calcanhar; e, além de tudo isto, envolviam-se
graciosamente em uma capa de pano preto, deixando de fora os
braços ornados de argolas de metal simulando pulseiras.
(Manuel
Antonio de Almeida, Memórias de um Sargento de Milícias)
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Eu
não tinha esse rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas; eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil: - Em que espelho ficou perdida a minha face?
(Cecília Meireles)
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A
sombra das roças é macia e doce, é como
uma carícia. Os cacaueiros se fecham em folhas grandes
que o sol amarelece. Os galhos se procuram e se abraçam
no ar, parecem uma árvore subindo e descendo o morro,
a sombra de topázio se sucedendo por centenas e centenas
de metros.
Tudo
nas roças de cacau é em tonalidades amarelas,
onde, por vezes, o verde rebenta violento. De um amarelo aloirado
são as minúsculas formigas pixixicas que cobrem
as folhas dos cacaueiros e destroem a praga que ameaça
o fruto. De um amarelo desmaiado se vestem as flores e as folhas
novas que o sol pontilha de amarelo queimado. Amarelos são
os frutos precoces que pecaram ao calor demasiado. Os frutos
maduros lembram lâmpadas de oiro das catedrais antigas,
fulgem com um brilho resplandecente aos raios do sol, que penetram
a sombra das roças. Uma cobra amarela - uma papa-pinto
- acalenta o sol na picada aberta pelos pés dos lavradores.
E até a terra, barro que o verão transformou em
poeira, tem um vago tom amarelo, que se prende e colore as pernas
nuas dos negros e dos mulatos que trabalham na poda dos cacaueiros.
Dos cocos maduros se derrama uma luz doirada e incerta que ilumina
suavemente pequenos ângulos das roças.
Da
mata vinham trinados de pássaros nas madrugadas de sol.
Voavam sobre as árvores as andorinhas de verão.
E os bandos de macacos corriam numa doida correria de galho,
morro abaixo, morro acima. Piavam os corujões para a
lua amarela nas noites calmas. Cobras de inúmeras espécies
deslizavam entre as folhas secas, sem fazer ruídos, onças
miavam seu espantoso miado nas noites do cio.
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Texto 12 - Trecho do romance Clara dos Anjos (Lima Barreto)
A
rua em que estava situada sua casa desenvolvia-se no plano e,
quando chovia, encharcava e ficava que nem um pântano; entretanto,
era povoada e se fazia caminho obrigatório das margens
da central para a longínqua e habitada freguesia de Inhaúma.
Carroções, carros, autocaminhões que, quase
diariamente, andam por aquelas bandas a suprir os retalhistas
de gêneros que os atacadistas lhes fornecem, percorriam-na
do começo ao fim, indicando que tal via pública
devia merecer mais atenção da edilidade.
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Texto 13 - Trecho de Ópera dos mortos, de Autran Dourado
O
senhor querendo ver, primeiro veja:
Ali
naquela casa de muitas janelas de bandeiras coloridas vivia
Rosalina. Casa de gente de casta, segundo eles antigamente.
Ainda conserva a imponência e o porte senhorial, o ar
solarengo que o tempo de todo não comeu. As cores da
janela e da porta estão lavadas de velhas, o reboco,
caído em alguns trechos como grandes placas de ferida,
mostra mesmo as pedras e os tijolos e as taipas, de sua carne
e ossos, feitos para durar toda a vida; vidros quebrados nas
vidraças, resultado do ataque da meninada nos dias de
reinação, quando vinham provocar Rosalina (não
de propósito e ruindade, mas sem-que-fazer de menino),
escondida detrás das cortinas e reposteiros; nos peitoris
das sacadas de ferro rendilhados formando flores estilizadas,
setas, volutas, esses e gregas, falta muito das pinhas de cristal
facetado cor de vinho que arrematavam nas cantoneiras a leveza
daqueles balcões.
Um
recuo no tempo pode se tentar. Veja a casa como era e não
como é ou foi agora. Ponha tento na construção,
pense no barroco e nas suas mudança, na feição
do sobrado, na sua aparência inteira, apartada, suspensa
(não, oh tempo, páre as suas engrenagens e areias,
deixe a casa como é, foi ou era, só pra gente
ver, a gente carece de ver; impossível com a sua mediação
destruidora, que cimenta, castradora); esqueça por um
momento os sinais, os avisos surdos das ruínas, dos desastres,
do destino.
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Talvez
devesse começar pelo cenário. O nome do lugar: Aldeia
dos Sinos. Soa meio precioso, mas tem sua razão de ser.
Olhando-se por cima, a aldeia é uma imensa área
verde, cortada ao meio pela avenida asfaltada. Do lado direito,
aparece o esqueleto da igreja, as ruínas de um prédio
de quatro andares e a rua das Palmeiras; as ruas que existiam
originalmente foram desaparecendo, por falta de conservação.
O mato cobriu todas. Ainda se pode ver alguma, mas rabulenta capenga
em um ou outro mourão de eucalipto: ruas das Mangueiras,
das Araucárias, dos Coqueiros. Do lado esquerdo da avenida,
um lago. E o cemitério, que é muito bonito. Em vez
de túmulos, em cada lote, delimitado por plantas, vê-se
apenas uma placa de concreto, com o nome do morto. Só tem
uma construção vertical onde estão instalados
os velórios e a administração.
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Casas
entre bananeiras,
mulheres entre laranjeiras pomar amor cantar. Um homem vai devagar Um cachorro vai devagar Um burro vai devagar Devagar...as janelas se olham Eta vida besta, meu Deus. |
Cidadezinha
cheia de graça...
Tão pequenina que até causa dó! Com seus burricos a pastar na praça... Sua igrejinha de uma torre só! ---------------------------------------- Cidadezinha tão pequenina Que toda cabe num olhar... |
Em
cima da cômoda
uma lata, dois jarros, alguns objetos entre eles antigas estampas Na mesa duas toalhas dobradas uma verde, outra azul um lençol também dobrado livros chaveiro
Sob
o braço esquerdo
um caderno de capa preta Em frente uma cama cuja cabeceira abriu-se numa grande fenda Na parede alguns quadros Um relógio, um copo. |
"Estávamos
sobre a pedra do Calvário.
Em
torno, a capela que a abriga, resplandecia com um luxo sensual
e pagão. No teto azul-ferrete brilhavam sóis de
prata, signos do zodíaco, estrelas, asas de anjos, flores
de púrpura; e, dentre este fausto sideral, pendiam de
correntes de pérolas os velhos símbolos da fecundidade,
os ovos de avestruz, ovos sacros de Astarté e Baco de
ouro. [...] Globos espelhados, pousando sobre peanhas de ébano,
refletiam as jóias dos retábulos, a refulgência
das paredes revestidas de jaspe, de nácar e de ágata.
E no chão, em meio deste clarão, precioso de pedraria
e luz, emergindo dentre as lajes de mármore branco, destacava
um bocado de rocha bruta e brava, com uma fenda alargada e polida
por longos séculos de beijos e afagos beatos."
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Texto 19 - trecho de conversa informal (entrevista)
"Bom,
o meu quarto é uma maravilha. No meu quarto tem um banheiro
dentro, o que eu acho maravilhoso, um banheiro dentro muito bonitinho.
O quarto também é todo acarpetado, como é
acarpetada a sala, o corredor, o resto do apartamento. Tem um
armário enorme também, com as portas em madeira,
as portas são todas trabalhadas em madeira talhada, beleza,
bonitinho. Também deixaram as cortinas que são muito
bonitas, de tafetá, cor coral, a colcha da cama combina
com a cortina ..." [Corpus do Projeto NURC/RJ - UFRJ- Mulher, 30
anos - Tema: Casa]
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Outra
fruta há nesta terra muito melhor, e mais prezada dos moradores
de todas, que se cria em uma planta humilde junto do chão:
a qual planta tem umas pencas como de erva babosa. A esta fruta
chamam ananases, e nascem como alcachofras, os quais parecem naturalmente
pinhas, e são do mesmo tamanho, e algumas maiores. Depois
que são maduros, têm um cheiro mui suave e comem-se
aparados feitos em talhas. São tão saborosos que
a juízo de todos não há fruta neste Reino
que no gosto lhes faça vantagem.
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Com sua forma, sua cor, seu aroma,
Cada flor é um milagre.
Cada pássaro,
Com sua plumagem, seu vôo, seu canto,
Cada pássaro é um milagre.
O espaço, infinito,
O espaço é um milagre.
O tempo, infinito,
O tempo é um milagre.
A memória é um milagre.
A consciência é um milagre.
Tudo é milagre.
Tudo, menos a morte.
- Bendita seja a morte, que é o fim de todos os milagres.
Geisa, amei os exemplos que você utilizou para ilustrar os mais variados tipos de descrição. Um abraço, Aline
ResponderExcluirOlá Aline!
ResponderExcluirObrigada pelo depoimento! Realmente o site de referência abaixo da pesquisa é muito útil e esclarecedor tanto para nós professoras/es tão quanto para nossos alunos/as. Volte sempre!
Um grande abraço! Geisa